24/09/2010

Natureza Viva - Morangos Mofados- Frase- Caio Fernando de Abeu

" As pessoas falam coisas, e por tras do que falam há o que sentem,
e por trás do que sentem, há o que são e nem sempre se mostra ..."

20/09/2010

Na terra do coração/ Caio Fernando de Abreu

Nave, ninho, poço, mata, luz, abismo, plástico, metal, espinho, gota, pedra, lata. Passei o dia pensando – coração meu, meu coração.
Pensei e pensei tanto que deixou de significar uma forma, um órgão, uma coisa.
Ficou só com-cor, ação – repetido, invertido – ação, cor – sem sentido – couro, ação e não.
Quis vê-lo, escapava.
Batia e rebatia, escondido no peito.
Então fechei os olhos, viajei.
E como quem gira um caleidoscópio, vi:
Meu coração é um sapo rajado, viscoso e cansado, à espera do beijo prometido capaz de transformá-lo em príncipe. Meu coração é um álbum de retratos tão antigos que suas faces mal se adivinham.
Roídas de traça, amareladas de tempo, faces desfeitas, imóveis, cristalizadas em poses rígidas para o fotógrafo invisível.
Este apertava os olhos quando sorria.
Aquela tinha um jeito peculiar de inclinar a cabeça.
Eu viro as folhas, o pó resta nos dedos, o vento sopra. Meu coração é um mendigo mais faminto da rua mais miserável. Meu coração é um ideograma desenhado a tinta lavável em papel de seda onde caiu uma gota d’água.
Olhado assim, de cima, pode ser Wu Wang, a Inocência.
Mas tão manchado que talvez seja Ming I, o Obscurecimento da Luz.
Ou qualquer um, ou qualquer outro: indecifrável.
Meu coração não tem forma, apenas som.
Um noturno de Chopin (será o número 5?) em que Jim Morrison colocou uma letra falando em morte, desejo e desamparo, gravado por uma banda punk. Couro negro, prego e piano. Meu coração é um bordel gótico em cujos quartos prostituem-se ninfetas decaídas, cafetões sensuais, deusas lésbicas, anões tarados, michês baratos, centauros gays e virgens loucas de todos os sexos. Meu coração é um traço seco.
Vertical, pós-moderno, coloridíssimo de neon, gravado em fundo preto.
Puro artifício, definitivo. Meu coração é um entardecer de verão, numa cidadezinha à beira-mar.
A brisa sopra, saiu a primeira estrela.
Há moças na janela, rapazes pela praça, tules violetas sobre os montes onde o sol se pos.
A lua cheia brotou do mar.
Os apaixonados suspiram.
E se apaixonam ainda mais. Meu coração é um anjo de pedra de asa quebrada. Meu coração é um bar de uma única mesa,
debruçado sobre a qual um único bêbado bebe um único copo de bourbon,
contemplado por um único garçom.
Ao fundo, Tom Waits geme um único verso arranhado.
Rouco, louco. Meu coração é um sorvete colorido de todas as cores, é saboroso de todos os sabores.
Quem dele provar, será feliz para sempre. Meu coração é uma sala inglesa com paredes cobertas por papel de florzinhas miúdas.
Lareira acesa, poltronas fundas, macias, quadros com gramados verdes e casas pacíficas cobertas de hera.
Sobre a renda branca da toalha de mesa, o chá repousa em porcelana da China.
No livro aberto ao lado, alguém sublinhou um verso de Sylvia Plath: “Im too pure for you or anyone”.
Não há ninguém nessa sala de janelas fechadas. Meu coração é um filme noir projetado num cinema de quinta categoria.
A platéia joga pipoca na tela e vaia a história cheia de clichês. Meu coração é um deserto nuclear varrido por ventos radiativos. Meu coração é um cálice de cristal puríssimo transbordante de licor de strega. Flambado, dourado.

Pode-se ter visões, anunciações, pressentimentos,

ver rostos e paisagens dançando nessa chama azul de ouro. Meu coração é o laboratório de um cientista louco varrido, criando sem parar Frankensteins monstruosos que sempre acabam destruindo tudo. Meu coração é uma planta carnívora morta de fome. Meu coração é uma velha carpideira portuguesa, coberta de preto, cantando um fado lento e cheia de gemidos – ai de mim! ai, ai de mim! Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se magicamente em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Veja.

Levam junto quem me ama, me levam junto também. Faquir involuntário, cascata de champanha, púrpura rosa do Cairo, sapato de sola furada, verso de Mário Quintana, vitrina vazia, navalha afiada, figo maduro,

papel crepom, cão uivando pra lua, ruína, simulacro, varinha de incenso.

Acesa, aceso – vasto, vivo: meu coração teu.

16/09/2010

Caio Fernando de Abreu / Barco/ Fragmento

Eu entro nesse barco, é só me pedir.
Nem precisa de jeito certo, só dizer e eu vou.
Eu abandono tudo, história, passado, cicatrizes.
Mudo o visual, deixo o cabelo crescer, começo a comer direito, vou todo dia pra academia.
Mas você tem que remar também.
E talvez essa viagem não dure mais do que alguns minutos, mas eu entro nesse barco, é só me pedir.
Perco o medo de dirigir só pra atravessar o mundo pra te ver todo dia.
Mas você tem que me prometer que vai remar junto comigo.
Mesmo se esse barco estiver furado eu vou, basta me pedir.
Mas a gente tem que afundar junto e descobrir que é possível nadar junto.
Eu te ensino a nadar, juro!
Mas você tem que me prometer que vai tentar, que vai se esforçar, que vai remar enquanto for preciso, enquanto tiver forças!
Você tem que me prometer que essa viagem não vai ser à toa, que vale a pena.
Que por você vale a pena.
Que por nós vale a pena.
Remar.Re-amar.
Amar.

14/09/2010

Clarice Lispecto

" Em cada palavra pulsa um coração.
Escrever é tal procura de íntima veracidade de vida.
Vida que me perturba e deixa o meu próprio coração trêmulo sofrendo a incalculável,
dor que parece ser necessária ao meu amadurecimento
—amadurecimento?
Até agora vivi sem ele!"

12/09/2010

Frase / Fernando Campanella

"Tenta te orientar pelo calendário das flores,
esquece, por um momento os números,
a semana, o dia do teu nascimento.
Se conseguires ser leve, aproveita,
enche tuas malas de sonho e toma carona no vento."

Tati Bernardi / Frase

" É triste saber que falta alguma coisa e saber que não dá pra comprar, substituir, esquecer, implorar. "